Alex 01/08/2023Uma colcha de relatosEu, particularmente amo biografias e não ficção, essas histórias me engrandecem, me ensinam, extrapolam meu olhar e o mundo conhecido. Me deparo com realidades que não teria oportunidade de vislumbrar, não fosse pela leitura.
E Vozes de Tchernóbil faz exatamente isso. Do primeiro ao último relato. Até no discurso da autora ao receber seu prêmio Nobel. Me deparo com realidades que nunca iria conhecer.
Este, como outros livros da autora, constitui-se por inúmeros relatos. Algumas pessoas podem achar repetitivo, mas eu penso que a autora buscando relatos de uma mesma tragédia, ao colher pensamentos, lembranças, atitudes similares, prova um ponto, o de que a memória é documento histórico, falho, parcial, tendencioso, mutável, mas ainda assim, material histórico.
Por outro lado, os relatos vão além do desastre de Tchernóbil, tentam demonstrar a tragédia que foi ser morador das cercanias da Usina. Quantificar a obediência e devoção do homem soviético. A abnegação total dos profissionais de física, energia, e similares. A doação incondicional de bombeiros e militares deslocados para ajudar na contenção danos. A crença cega numa política comunista que os salvaria.
Dessa forma, alguma coisa se repete nos relatos, mas a individualidade de cada história está presente do começo ao fim. As dores, as angústias, as perdas são similares, mas possuem nuances únicas, facetas personalissimas, e nisso a autora faz de seu documental, literatura com qualidade laureada.
O primeiro relato é impactante, fala sobre amor e perda. Você pensa que nenhum será pior que esse. Nenhum te fará sentir o quão pobre é a raça humana. E então se depara com o relato de como trataram os animais da região. Como uma mãe matou o próprio recém nascido para sobreviver em uma guerra. E um dos últimos, e pra mim dos mais trágicos, os relatos das crianças e sua plena consciência na morte prematura.
Mas além de toda essa desgraça, foi muito bom ver como a política é desumana, como a ideologia não se importa com vidas, como o burocrata age em proveito próprio, em detrimento do povo. O descaso, a desinformação, a omissão, a sonegação, a camaradagem, o engodo, esses mataram mais que a explosão, causaram mais danos.
Por fim gostei das indicações de literatura russa, de Dostoievski a Soljenitsen, entre outros, filósofos, poetas, contistas, todos russos, muitos que ainda sequer chegaram a ser traduzidos para o português.
Recomendo muito a leitura, é instrutivo, dolorido, mas, se é possível dizer, existe uma recompensa enorme por ouvir as vozes, dos esquecidos e abandonados, de Tchernóbil.