Thiago275 09/01/2017
Quem tem medo dos clássicos?
Desde quando li o livro "Contos Completos" de Monteiro Lobato (uma das melhores leituras da vida), perdi o medo dos "clássicos". Lobato, nesse livro, tem uma linguagem rebuscada e até difícil em algumas passagens, mas os seus contos são tão geniais, tão cativantes, que a linguagem não foi obstáculo à leitura. Pelo contrário, a enriqueceu muito mais.
Desde então, aprendi que o medo da linguagem rebuscada pode nos privar de verdadeiras pérolas literárias.
Movido por esse sentimento, debruçei-me sobre a leitura de "O Ateneu", clássico da literatura brasileira difícil de classificar. Não é realista, tampouco romântico. Não é naturalista, mas também não pode ser chamado de parnasiano ou moderno. Enfim, é um livro escrito no final do século XIX que se situa na época de transição dos movimentos literários para a modernidade, e tem um pouco de cada um dentro de si.
"Vai encontrar o mundo", assim começa o livro, e isso é bem verdade.
A história consiste nas memórias de Sérgio, um menino recém chegado à puberdade, passivo e introvertido, que é matriculado no Ateneu, colégio interno de grande reputação, dirigido pelo soberbo Aristarco.
O livro tem linguagem rebuscada, cheia de preciosismos, referências à mitologia grega, a música, pintura, história mundial, religião, diferentes tipos de arte, refletindo a erudição do autor e também do ambiente em que a história se passa.
O problema do livro, no entanto, não é a linguagem e sim o fato de que dificilmente nos identificamos com o protagonista ou com os demais personagens.
Desde o início o Ateneu é nos apresentado como um lugar em que a "lei da selva" impera, ou seja, os mais fortes comandam e os mais fracos obedecem.
Sérgio retrata os alunos como pessoas sem escrúpulos, sem empatia, e sofre muito. É obrigado (ou obriga-se) a fazer papel de passivo nas relações psicológicas que trava com os outros alunos, seus protetores, insinuando em alguns momentos uma tensão sexual típica do início da adolescência. Os únicos alunos que são um pouco bondosos com ele, o protagonista faz questão de manter afastados. Encontra defeitos em todos. É um eterno insatisfeito.
Os professores também são retratados como cruéis, ou irônicos, ou rígidos. E, acima de todos, o diretor Aristarco, que se acha o próprio Deus da Sabedoria encarnado, muitas vezes dá mais valor à mensalidade paga em dia do que ao conhecimento que o aluno levará para casa. No fim do livro, chega ao cúmulo de ter ciúmes de seu próprio busto de bronze, ofertado pelos alunos. Chega a ser engraçado.
Talvez a única personagem bondosa em toda a história seja Ema, a mulher do diretor. Em todo o caso, a vemos muito pouco.
Achei que o final livro foi muito proposital. O autor e seu protagonista livraram-se de seu maior problema ( o próprio Ateneu) de maneira muito óbvia: um incêndio que a tudo consome.
Romance com toques autobiográficos, acredito que o autor dele se valeu para tentar exorcizar seus traumas de infância, e não sei se conseguiu, visto que anos depois de publicado o romance, ele veio a cometer suicídio.
Enfim, vale a leitura para descobrirmos como a elite da época pré-república era educada. E talvez isso responda muitas questões de por que as elites brasileiras não são um primor de bons modos e sabedoria.