Aurélio 13/07/2024
Talvez essa seja uma das melhores ambientações que eu já li, porque a escolha de usar nadstat foi incrível já que ao mesmo tempo gera estranheza e expande as fronteiras para além de descrições, indo também pro campo da linguagem. Passada essa primeira impressão, o leitor depara-se com a personagem principal Alex e seu grupo de malfeitores. Pelos primeiro capítulos, seus crimes são narrados largamente e sem esconder detalhes até que o jogo vira pro Alex, trazendo um dos principais temas da obra à tona: até que ponto se deve interferir na liberdade de escolha de alguém para um bem maior na sociedade? Claro que à primeira vista essa parece ser uma questão utilitarista, mas eu não a vejo assim: Alex não tem sua liberdade restringida como prevenção ou satisfação da maioria, isso aconteceu como punição, Alex tinha de ser punido pelo que fez, nada mais. Vejo pessoas o defendendo dizendo que ele tinha quase como uma vocação para o belo (seu gosto musical era de fato louvável: Beethoven e Mozart eram seus favoritos) mas até a música clássica é pervertida por ele: quando os violinos gritavam e os instrumentos se exaltavam, Alex se imaginava fazendo atrocidades. Mesmo assim eu não defendo a implementação de um aparelho para moldar comportamentos na mão do Estado, senão acabaremos como os cidadãos de Nós (Zamiátin). Mas tenho convicção de que não se deve eximir a culpa do protagonista pelo que ele cometeu. Na última parte do livro as coisas começam a ficar bem interessantes: Alex é espancado por alguns policiais (e não pode reagir, devido à sua condição) e procura alento numa casa na vizinhança (casa na qual ele já tinha visitado, embora não amigavelmente) e encontra um escritor do partido contrario ao governo vigente, que pede para Alex ser testemunha das crueldades que o governo faz, tolhendo a liberdade individual e tudo o mais. No entanto, mais pra frente, Alex, nesse ponto já semi niilista e sofrendo grande dor, é impelido pelos membros do próprio partido para se jogar de seu quarto. O que eu acho fenomenal nessa cena é que ela esclarece as atrocidades não só do partido X ou Y, mas de todos aqueles que querem chegar ao poder e estão dispostos a castrar ou matar para que isso aconteça, não importa o lado. No final, Alex tem uma chance pra se redimir: já sente necessidade de mudar de vida e formar família, seus pensamentos não giram em torno de violência e a brutalidade tão bem quista por ele antes agora parece não fazer sentido. Qual é a fonte dessa redenção? Maturidade? Virtudes? Experiência? Não sei ao certo, mas acho que ele tomou o caminho mais humano: a vitória da virtude sobre o vício, isto é o que engrandece a alma humana, não uma robotização, mas a superação do ímpeto vicioso dentro de cada um de nós.