Erudito Principiante 03/01/2023
Os revolucionários na visão de Dostoiévski
Minha segunda leitura de Dostoiévski foi de difícil digestão, como eu já esperava após ler O Duplo. Mas isso não significa dizer que não gostei.
Em Os Demônios acompanhamos algumas pessoas em uma cidade provinciana tendo que lidar com suas rotinas e cotidianos sem maiores problemas, até que um grupo de revolucionários socialistas/progressistas começa a se infiltrar lentamente nessa sociedade, abalando aos poucos sua rotina. Falando dessa maneira parece muito simples, porém Dostoiévski costura a história de forma detalhada, construindo os personagens lentamente. Aliás, na minha modesta opinião acho até que a história demora bastante para desenvolver, sendo apenas na segunda metade do livro que vemos alguns sinais do que irá acontecer. O autor usa o interessante artifício de o narrador ser um dos personagens, ou seja, tudo é narrado em primeira pessoa, como se fosse um testemunho pormenorizado.
A história inicia mostrando a vida do intelectual fracassado Stepan Trofímovitch, vivendo às custas da viúva rica Varvara Petrovna na condição de preceptor. Os amigos de Stepan dão sutis sinais de fazerem parte de um grupo subversivo, mas aparentemente são inofensivos. As coisas começam a esquentar um pouco com o aparecimento de Nikolai Vsêvolodovitch Stavróguin e Piotr Stepanovitch Verkhôvenski, que acabam por serem os líderes dos subversivos.
Stavróguin é mais de ação e poucas palavras, enquanto que Verkhôvenski fala pelos cotovelos e se autodenomina o porta-voz da liderança revolucionária nacional perante o grupo local.
Os Demônios aos quais Dostoiévski se refere são justamente os revolucionários e seu total desprezo pela ordem vigente, preceitos morais, religiosidade ou qualquer outra coisa que se interponha entre seus objetivos. A história seria a versão de Dostoiévski para um assassinato que ocorreu em 1869. O jovem Ivan Ivanov foi morto por se desentender com o líder do grupo subversivo local Serguei Netcháiev. O desenrolar da investigação e posterior julgamento foi acompanhado por Dostoiévski, inspirando-o a escrever sua obra, que culminará no assassinato de um dos personagens nos moldes do crime real.
Os revolucionários da vida real, conforme previu Dostoiévski, foram ganhando força através de seu discurso sedutor de igualdade e ao mesmo tempo afirmando que a sociedade precisava ser destruída para que algo novo (e melhor, segundo eles) pudesse nascer das cinzas do caos disseminado pelos mesmos. Menos de meio século após a primeira edição de Os Demônios a Rússia caía aos pés dos bolcheviques. O resto é história?